Não se olvida que ainda há grande discussão doutrinária sobre a forma de contagem dos prazos nos Juizados Especiais, ainda mais depois do enunciado do FONAJE dizendo que estes deveriam em ser dias contínuos.
O FONAJE não é órgão legislador, por isso, não tem legitimidade para emitir norma de ordem geral e cogente sobre forma de contagem de prazos processuais. A Constituição deu esse poder somente para o Congresso Nacional, o qual o exerceu por meio da edição do Novo Código de Processo Civil.
Assim, o enunciado 165 do FONAJE que dita que os prazos nos Juizados Especiais irão correr continuamente é totalmente inconstitucional, por ferir fatalmente o princípio da legalidade, previstos no artigo 5.°, II, e 37, da CF.
Ademais, o artigo 22, I, da Constituição Federal é nítido ao dizer que apenas a União pode legislar sobre direito civil. O FONAJE é o órgão da União com capacidade para legislar? Ocioso dizer que a resposta é negativa.
Nesse cenário, é certo que na Lei n.° 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais - LJEC) não há nenhum artigo acerca do modo de contagem dos prazos. Desse modo, há de se utilizar a norma subsidiária, qual seja, o Código de Processo Civil, que no seu artigo 219 afirma claramente que o prazo há de ser contado em dias úteis. Corrobora com esta tese o Ilustre Doutro Marcelo Pacheco Machado, ipsis literis:
“O problema foi que em 18 de março de 2016 esta norma, antes aplicada subsidiariamente, foi revogada. Deixou de existir no mundo jurídico o artigo 181 do Código de Processo Civil de 1973 (o Código quase todo), sendo este substituído claramente pelo artigo 219 do Código de 2015, com norma de sentido diametralmente distinto: “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”.
Bem, a conclusão insofismável: se a legislação dos juizados especiais é omissa quanto ao cômputo de prazos, se o CPC/73 é o diploma que se aplicava, se o CPC/73 foi revogado pelo CPC/2015, a norma do CPC/2015 deve necessariamente passar a dar base normativa para o sistema dos juizados especiais, passando a se contarem os prazos apenas em dias úteis (CPC/2015, art. 219).
Ressalto: não há direito vigente que permita a contagem de prazos em dias corridos, o artigo 181 do CPC foi revogado. Seria, portanto, possível fazer represtinar lei revogada, apenas para que seja aplicada subsidiariamente aos juizados especiais, pelo motivo de que a nova lei aplicável tornaria o processo menos célere? Podem então os tribunais entenderem que simplesmente não querem aplicar a lei que temos?
A hermenêutica é talvez a maior vítima deste chamado período de intitulada “pós modernidade jurídica”, mas ainda acho que não vale tudo. Para afastar a aplicação de uma lei vigente caberia ao intérprete – na melhor das hipóteses – uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, para falar que a contagem em dias úteis seria aplicável aos processos, mas não aos processos dos juizados especiais. Já que nestes ofenderia supostamente a razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).” (Com acesso em 05/10/16, disponível em http://jota.uol.com.br/prazos-nos-juizados-especiais-em-dias-corridos-nao-esperavamos-por-esta-fonaje#_ftn2).
Com efeito, se não se aplicar os prazos em dias úteis no Juizado, simplesmente não se está cumprindo o que a Lei diz, a qual é clara que os prazos devem ser contados em dias úteis. Não há outra interpretação possível para ela no presente caso.
Então, é evidente a violação ao princípio da legalidade dos Juízes quando entendem que o prazo nos JEC`s é contínuo.
Mesmo que se considerasse, por absurda hipótese, que nos Juizados continuariam os prazos contínuos, à guisa que qualquer legislação, mesmo subsidiária, ainda assim restaria uma ilegalidade.
A alegação de que os prazos da Lei dos Juizados serão contínuos, mas os prazos previstos no CPC serem contados em dias seguidos, é uma afronta gigantesca ao princípio da legalidade, à segurança jurídica (art. 5.°, da CF) e a lógica processual.
O Tribunal de Justiça do Amazonas já asseverou que o prazo em seus Juizados seria contado em dias úteis, por meio da orientação primeira do Fórum Permanente do Amazonas doe Juizados Especiais.
E o nosso Egrégio Tribunal está correto, pois os defensores do prazo contínuo dos juizados aduzem a questão da celeridade processual. Porém, este argumento não os ajudam, pois como nos juizados cabem só embargos de declaração e recurso inominado (Recurso Extraordinário é raríssimo), o prazo em dias úteis aumentaria a duração do processo em apenas 06 dias, e se contar o recurso extraordinário, seriam apenas 12 dias.
Aliás, esse tempo é menor que a quantidade de dias que devem antecipar a audiência de conciliação no rito ordinário (artigo 334 do CPC) e da redesignação de audiência no próprio juizado, cujo prazo é de 15 dias (artigo 27, § único, da Lei n.° 9.099/95), prazo esse que muito dificilmente é cumprido.
Já na prática, essa quantidade de dias é menor que a um terço dos dias de intervalo entre a audiência de conciliação e de instrução de quaisquer dos nossos juizados, e muito próximo do prazo do recurso inominado, sendo forçoso concluir que é insignificante, um punhado de grãos no deserto do tempo de trâmite de um processo nos Juizados de qualquer Estado, visto que a média de tramitação de um processo nos Juizados Estaduais é de 02 anos e 03 meses.[1]
Isto é, um processo no JEC demora 810 dias, e, portanto, considerando o prazo máximo de 12 dias de atraso pela contagem em dias úteis, a demora do processo seria aumentada em 1,5 % apenas. Em outras palavras, de todo o tempo do processo, a contagem em dias das úteis seria responsável por apenas um centésimo do tempo.
Além disso, nos casos de Recurso Extraordinário nos Juizados se estaria diante de uma ilegalidade maior ainda se contados os prazos em dias contínuos.
Isso porque o prazo para agravo contra decisão que denega o seguimento de recurso extraordinário não está previsto na Lei dos Juizados Especiais, e sim no Código de Processo Civil, no artigo 1.042. Isto é, casos os Juízes não contem esse prazo em dias úteis, além de não obedecerem a norma na Lei dos Juizados Especiais, ainda dirão que ela não seja usada dentro do próprio Código Processual Civil, o que é incompreensível.
O Conselho Nacional de Justiça, apoiando a nota técnica do FONAJE, diz que “a adoção da nova regra de contagem de prazos prevista no novo CPC atenta contra os princípios fundamentais dos processos analisados pelos Juizados Especiais, como a simplicidade, a economia processual e, sobretudo, a celeridade”[2].
Ora, de celeridade não se trata, como mostrado acima. Tampouco se cuida de simplicidade e economia processual, visto que estes princípios informadores dos Juizados não dizem respeito a prazos, mas sim aos procedimentos, ao rito em si.
Por isso, seja por motivos constitucionais, legais ou mesmo de gestão do judiciário, não há nenhum motivo, com todo respeito com os que pensam ao contrário, para os prazos nos Juizados Especiais Estaduais não serem contados em dias úteis, nos termos do NCPC.