É sabido que o Estado, em todos os seus níveis, é cobrador de uma alta carga tributária, com estimativa, esse ano, de que 41,80 % de todo rendimento seja para o pagamento de tributos, o que equivale a 153 dias de trabalho/produção do brasileiro, segundo estudo do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação[1].
Nesse cenário de ineficiência, imoralidade e ilegalidade do Poder Público na condução dos ativos públicos, bem como a existência de diversos direitos explicitados na Constituição Federal, pode-se dizer que o contribuinte querer pagar o menor imposto possível é justo, desde que sejam obedecidas todas as normas constitucionais e legais, aproveitando-se, em alguns casos, do disposto na própria Lei, ou em outros, das lacunas deixadas por ela.
Portanto, partindo-se dessa ideia, entra em cena o planejamento tributário.
Referente ao conceito de planejamento tributário, traz-se à baila a lição de Ivo César Barreto de Carvalho[2], quem diz que “o planejamento tributário é a atividade desenvolvida por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, de forma estritamente preventiva e transparente, a fim de alcançar licitamente a economia tributária”.
Como visto nos conceitos citados, o planejamento tributário envolve práticas lícitas de tentativa de diferir, diminuir ou até evitar a exação tributária. Ele se difere da evasão fiscal, que é a atitude ilícita de evitar a tributação, por atos omissivos ou comissivos de fraude fiscal.
O planejamento tributário tem reflexos em pelo menos 03 campos: o jurídico, o político e o econômico e tem por base a Constituição Federal, mas precisamente no princípio da legalidade (art. 5°, II), da livre iniciativa (art. 1°, IV e 170), da livre concorrência (art. 170, IV), da propriedade, segurança jurídica e liberdade (art. 5°), entre outros.
Desse modo, se os contribuintes planejam a estruturação do seu negócio ou a vida financeira, segundo a Lei tributária, e assim resulta no pagamento de menos tributo, não podem ser censurados.
A autonomia de vontade, o direito à propriedade e a liberdade de iniciativa permitem que o sujeito passivo da obrigação tenha um círculo mínimo de individualidade na qual o Estado não pode adentrar sem que ocorra abuso de poder ou ilegalidade. E nesse circulo íntimo o sujeito pode se adequar da forma mais conveniente para evitar o pagamento de tributo além do devido, seja verificando lacunas na Lei ou muitas das vezes usando as opções dadas por ela.
Essas alternativas dadas pela Lei para que o contribuinte verifique qual é o meio de pagar menos impostos são chamadas de opções fiscais. Pode-se utilizar como exemplo a opção dada pela Receita de o contribuinte escolher o pagamento pelo método simplificado ou completo, dando para ambas opções o cálculo completo a fim de que se veja em qual deles ele arcará com o menor valor tributário, ou uma opção muito utilizada pelas empresas, que é a escolha do regime tributário do lucro presumido ou real.
De outro lado, o contribuinte pode estruturar a sua atividade financeira ou empresarial de modo que não ocorra o fato gerador, ou ocorrente esse, haja o adiamento ou diminuição no pagamento do tributo.
Nesse aspecto, fica evidente a importância dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, já que o sujeito passivo prepara o seu negócio de acordo com as normas tributárias vigentes, as quais, em face dos princípios citados, não são capazes de fazer incidir a cobrança tributária sem que tenha ocorrido o fato gerador.
Porém, a segurança jurídica vem sendo constantemente desrespeitada pelo Fisco, o qual, alegando várias causas, entre elas, ausência de propósito negocial e abuso de formas, desconsidera o negócio jurídico realizado licitamente no planejamento tributário. Assim, o Fisco diz que não vale o negócio jurídico e deve ser pago o imposto, com multa e juros, enquanto o sujeito passivo diz que é válido o negócio, visto que não ocorreu o fato jurídico tributário, criando-se a insegurança jurídica.
O propósito negocial, além de ter sido importado de forma errada, já que o fundamento dele foi superado nos Estados Unidos, não obedece aos mínimos parâmetros constitucionais para poder ser usado no Brasil. O proposito negocial pode ser conceituado como “a necessária existência de algum objetivo, propósito ou utilidade, de natureza material ou mercantil, e não puramente tributária, que induza o indivíduo à prática de determinados atos que resulte em economia fiscal”[3].
Em verdade, até tentaram inserir no ordenamento jurídico pátrio, por meio da Medida Provisória n° 66/2002, contudo, o Congresso Nacional não aceitou que parte dela ingressasse no cenário normativo brasileiro, especialmente o artigo 14, parágrafo 1°, inciso I, o qual discorria sobre o instituto.
Desse modo, havendo rejeição do Poder Legislativo a essa pretensa normatização, não pode, de forma nenhuma, a Administração Pública, a qual está adstrita ao princípio da legalidade acima citado, utilizar esse instituto, ainda que por método interpretativo, sob pena de se relegar esse princípio a mera peça de ficção ou realizar o ingresso por via oblíqua da regra rejeitada pelo Congresso, em descarada violação ao artigo 62, §§ 10° e 11°, da Constituição.
Outrossim, o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional[4], por ausência de regulamentação, não pode produzir efeitos.
Se pela própria literalidade do texto da regra a autoridade administrativa somente pode desconsiderar os atos se observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária, como essa lei não existe, então nada pode fazer por não existir procedimento legal instituído, por uma interpretação lógica-jurídica inescapável.
Assim, é inconstitucional, por violar o princípio da legalidade, a Fazenda tentar fazer ingressar essa norma por meio de interpretações duvidosas da lei tributária, ainda mais se apegando a legislação cível para a complementação.
Portanto, mais do que ilegal, é inconstitucional o Fisco desconstituir planejamentos tributários com base no argumento de ausência de propósito negocial, devendo, caso queira desconstituir a elisão fiscal, obedecer ao direito positivo e a Constituição Federal.
[2]{C} Planejamento Tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Planejamento Tributário. São Paulo: Malheiros: ICET, 2016. p.300
[3] SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Elisão e evasão fiscal. 2ª ed. São Paulo: Bushatsky, 1977. p. 75
{C}[4]{C} BRASIL. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Institui o Código Tributário Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 27 out. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 jul 2017.